sábado, 13 de novembro de 2010

CONTOS DO MUNIR-51

MARIE HÉLÈNE
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O veleiro, um lugar-escuna, navio-escola da Marinha Brasileira, singrava as águas azuis do Oceano Índico, suas velas enfunadas impulsionavam o barco em direção ao porto de Tamatave, ilha de Madagascar.

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O médico da guarnição, como de hábito, fez palestra na Praça-D’armas (refeitório de oficiais) sobre o país a ser visitado. Baseou-se na Enciclopédia Britânica, o Google da época. A edição era antiga, porém mais confiável.

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O branco da espuma das ondas quebradas pela proa do navio, o anil do mar, os panos plenos pelo vento, transformavam a realidade em uma linda pintura.
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Madagascar com suas praias e belezas naturais encanta os turistas. Rica em flora e fauna, tem espécies apenas lá encontradas. A floresta fora reduzida apenas em quantidade. Os Lêmures, macaquinhos parecidos com bichinhos de pelúcia, e que não existem em nenhum outro lugar do mundo, ainda são os responsáveis por espalhar as sementes que recriam as árvores abatidas.
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A bordo, um marinheiro treinado prepara o equipamento para lançar a retinida, um cabo fino, na ponta um trançado do tamanho de uma bola de tênis, preso a uma haste disparada por fuzil. Esse cabinho será puxado pelo pessoal em terra, leva nele amarrada a primeira espia de manilha que irá segurar o barco.

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Na beira do cais, o Prefeito e demais autoridades aguardavam a chegada. Junto, uma Guarda de locais, uniformizada de bermuda e camisa caqui, sandálias de couro, está formada, armas ao ombro, pronta para as saudações militares de recepção.

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O marinheiro aponta seu fuzil e dispara a retinida. Assustada, a Guarda põe-se a correr. O Prefeito restabelece a ordem, o veleiro encosta no atracadouro.
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Pela manhã, o programa foi passear nas lindas praias e apostar corrida de rig-shaw, um meio de transporte comum no Oriente, espécie de charrete de duas grandes rodas, para uma ou duas pessoas, puxada pelos nativos.

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À noite, o Governador ofereceu uma recepção para a oficialidade no Palácio.

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Uma linda francesinha, de cabelos louros encacheados, chamou minha atenção. Convidei-a para dançar. Perguntei qual o seu nome. Respondeu: - “Mon nom est Marie Hélène”. Quis saber o meu e se eu havia gostado de passear na praia pela manhã. Curioso, indaguei como sabia, “Mon petit doigt m’a dit”, disse e, levantando a mão com a graciosidade de menina, mostrou o dedo mindinho.

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Dançamos até o fim da festa.

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Ao despedirmo-nos, indaguei se poderia revê-la no dia seguinte à tarde. Sorriu concordando e perguntei aonde. A sorrir novamente:- “Aqui”
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Era filha do Governador.
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Passamos um fim de tarde contemplando o mar. O veleiro partiria naquela noite e prometemos nos comunicar.

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A primeira carta que recebi, veio endereçada aos cuidados do capelão de bordo, com a recomendação de que a resposta seguisse o mesmo trâmite.

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No texto, escrito por Marie Hélène, palavras riscadas indicavam prévia censura.

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Foi quando, instintivamente, iniciamos um jeito de driblar nossos censores, redigíamos o que queria ser lido e rabiscávamos. Precedemos o twitter, abreviando em três idiomas falas como: “Eu gosto de você”, “Moi Love Você”- “MlV” ou “um beijo”-“one bijou Kiss” –“OBK”.

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Trocamos fotos com dedicatórias singelas.

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Pena que nossa correspondência terminasse ao fim da viagem.

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Muitos anos mais tarde em Genebra, na Conferência Diplomática de Direitos Humanitários, em um grupo de trabalho, encontrei um representante do Itamaraty. Depois de fitar-me por algum tempo, indagou se eu conhecia Madagascar.

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Ao assentir, contou-me que há vinte anos, lá servira como Cônsul e tivera a oportunidade de trabalhar com uma ONG dirigida por uma senhora francesa. Ao saber que ele era brasileiro, mostrou-lhe a fotografia de um jovem oficial da Marinha. Ao ver meu rosto, acreditava ter me identificado.
Autor: Munir Alzuguir

E-Mail:alzumunir@gmail.com

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