sexta-feira, 5 de agosto de 2011

CONTO DO JOSÉ FRAJTAG: O EFEITO JANELA cap 3

O EFEITO JANELA

Capítulo 3

Comecei a ver todos os dias, notícias sobre Boxers, Bossa Nova, Janelas e sobre a Paola, às vezes apareciam os quatro assuntos na mesma pagina de um jornal. Foi então que soube que a Paola tinha ganhado um cão Boxer, de seu namorado. Ai foi demais e comecei a tremer.
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Isso era mais que uma simples coincidência e estava formando um quadro assustador.
-“Efeito janela” porra nenhuma! Pensava eu.
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De certa maneira, eu estava abençoado ou mesmo amaldiçoado com um dom de prever coisas. Tentei usar esse novo talento para as minhas aplicações na bolsa. Eu me concentrava e vendia ou comprava algum papel de acordo com minha intuição. Percebi que minha taxa de acertos, estava muito maior que a habitual. Eu costumava acertar em torno de dois terços de minhas decisões, nos bons períodos, e empatar nos maus momentos, o que já era excelente, porém naquele mês eu estava acertando em torno de 90% ou mais. Meus lucros aumentaram de maneira notável, mas foi uma fase excepcional, apenas.
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Depois de algum tempo a proporção se reduziu, e se manteve apenas um pouco superior às de antes.
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O fato é que as coincidências funcionavam tanto para o bem como para o mal e isso não era controlável. Se eu comprava, por exemplo, um papel, surgia no dia seguinte uma notícia importante sobre a empresa, que podia ser boa ou ruim, apenas aumentando a volatilidade daquele papel. Como as notícias boas eram mais frequentes, explicava o fato do ganho ser um pouco maior. Mas não se poderia garantir que não houvesse uma sucessão de más notícias. Ou seja, ao menos financeiramente, eu não poderia tirar proveito algum desse poder, no momento! Fiquei muito frustrado ao constatar que em vez da Paola, poderia ter surgido a Regina Casé!
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De toda a forma, conforme já havia percebido, isso nada tinha ver com o efeito “janela” do qual o Dr. Paulo me alertou e sim algo muito mais importante.
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Marquei uma ida no consultório do Dr. Augusto, o especialista em fobias, iniciando um longo tratamento, para me curar. Eu desenvolvi também um tique que era o de balançar o pulso e chacoalhar a pulseira, foi numa dessas que me passou um pensamento que a principio achei absurdo. Será que a pulseira tinha algo a ver com essa minha fase? Pois o fato é que as coincidências se avolumaram depois dela surgir.
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Tirei a pulseira e a guardei em uma gaveta. Minha vida se normalizou naquele mês e nenhuma coincidência surgiu; seria isso uma prova conclusiva? Emprestei a pulseira para Helena usar por um tempo, e ela passou a me relatar que coisas no gênero estavam ocorrendo com ela também.
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Eu a peguei de volta, e os eventos voltaram para mim e desapareceram para Helena.
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Minhas dúvidas quanto ao poder daquela coisa se dissiparam, mas ao mesmo tempo tentava adivinhar o que seria aquilo!
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Consegui a duras penas me livrar das fobias, o que me fez muito feliz. Um dia encontrei no Metrô, a caminho do Centro, uma pessoa que ficou muito interessada na pulseira e queria comprá-la, insistindo muito. Acabei pegando seu cartão de visitas e prometi pensar no assunto. Ele usava um boné e sua fisionomia não me era estranha. Eu tinha certeza de que já o tinha visto, mas por mais que forçasse a memória não conseguia me lembrar.
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Minha memória é muito esquisita, talvez por estar envelhecendo. Eu costumo me lembrar de coisas muito tempo após a necessidade. De repente, como um raio, me veio a imagem de onde conhecia o sujeito! Era, sem a menor dúvida, o meu vizinho “suicida”! Mas, como era possível eu ter esquecido aquela cara?
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Liguei imediatamente para o telefone que constava no cartão de visitas. O nome não tinha nada de extraordinário: Breno Mattus. Nós nos falamos e marcamos um encontro para o dia seguinte, que seria na portaria de meu edifício. Eu estava com muito medo e tentei me cercar de pessoas que pudessem tomar alguma atitude se necessário. Depois pedi para caminharmos pela orla enquanto conversávamos. Foi aí que lhe contei que o conhecia. Ele confirmou ser mesmo essa pessoa.
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- Mas, como senhor Breno? Como foi possível o senhor cair daquela altura e sobreviver?
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- Me chame de Breno ou você, por favor. Sou inventor, meu caro Sílvio e criei vários equipamentos, que ainda não estão patenteados. Um deles é um meio de fuga de edifícios. Na realidade eu não caí e sim deslizei muito rápido por um cabo muito fino de titânio. O fio depois se enrola automaticamente no teto da varanda sem chamar a atenção. Ele pode ser regulado para qualquer velocidade de queda. Como já estou acostumado, regulei para a velocidade total da gravidade, como se estivesse caindo. Nos últimos metros ele vai freando, com toda a segurança. Mas minha melhor invenção foi essa pulseira, que eu chamo de um “potencializador de eventos”. Eu a criei por acaso, num lance de “serendipity” como os americanos dizem.
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- O que é isso?
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- É como eles chamam um ato de criar algo quando se está procurando criar outro. A penicilina e o micro-ondas foram criados assim.
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- E porque o senh..., quero dizer você, pulou pela janela?
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- Eu estava sendo perseguido por pessoas que sabiam da pulseira e queriam roubá-la de mim. Minha única possibilidade de escapar foi a de pular pela janela.


Aí fiz a besteira de jogar a pulseira em seu apartamento.
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- Não foi besteira, ela está bem guardada!
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- Se eu já tinha conseguido fugir, bastava mantê-la comigo, não é mesmo? Tive de me mudar do seu edifício, pois meus inimigos iriam certamente voltar. Suspeito até que seja um morador do sexto andar do seu prédio.
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Pensei imediatamente: “A polícia deixou os bandidos escaparem”, porem não disse a Breno, esperando uma ocasião melhor. Perguntei apenas:
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- E para que você quer comprá-la de mim? Ela é sua e além disso não é mais fácil fazer outra?
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- Eu não lhe disse que a criei, por acaso? Pois é! Não consigo mais repetir o método que usei, e essa sua pulseira passou a ser a única. Tentei depois, muitas vezes fazer outra, sem resultado; por isso demoramos a nos encontrar.
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- Quer dizer que o nosso encontro não foi por acaso?
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- É claro que foi! A própria pulseira provocou esse encontro, pois nem me passava ainda pela minha cabeça procurá-lo. Bastaria ter ido ao seu apartamento, não é?
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- Tudo bem, então! Eu a devolvo, se você me permitir usá-la de vez em quando, ou mesmo se você descobrir como você a fez, me der de volta e ficar com a nova! Vamos fazer um contrato bem feito, em cartório, que seja bom para mim e para você.
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Eu já sabia que a pulseira não tinha valor algum, a não ser o de criar eventos aleatórios curiosos, mas tentei tirar algum proveito ao sentir o interesse de Breno. Quem sabe ele talvez me ensinasse alguma técnica para usá-la que valesse a pena.
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- Nada de cartório, pois seríamos descobertos pelos bandidos. Vamos fazer diferente, disse ele. Você fique com a pulseira, e eu te dou agora cem mil reais, como compensação pelas confusões que te aconteceram. Depois venha a meu laboratório para que eu faça alguns testes, com ela.
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Fiquei surpreso e deliciado com a proposta. Pedi para chamar Helena pelo celular para nos acompanhar, pois se Breno tentasse algo sacana, seria mais difícil com nós dois. Breno concordou com a presença dela, o que me deixou bem mais tranquilo.
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Ela chegou bem rápido; pedi uns minutos em particular e expliquei a ela, que como toda mulher, estava desconfiadíssima.
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Tudo aconteceu corretamente! Breno mostrou ser uma pessoa confiável. Fomos a um banco, que por coincidência, mais uma, era também o meu; ele sacou o dinheiro e me entregou. Eu imediatamente depositei na minha conta. Helena adorou!
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Do banco fomos para o laboratório de Breno, que era impressionante! Mal chegamos e ele avançou para a minha pulseira. Eu falei:
- Calma! Deixe-me fazer uma marca na parte de trás para eu ter certeza de que essa é a minha!
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- OK! Não há problema.
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Peguei um bisturi e marquei as minhas iniciais e entreguei a pulseira a Breno; ele com uma mini furadeira, fez um furinho minúsculo e retirou pedacinhos do miolo desta, onde havia os componentes que faziam mágico efeito. Ele tapou o furo com uma amalgama de prata e este ficou quase imperceptível. Em seguida me devolveu a pulseira. Eu e Helena, olhamos com cuidado e vimos nela o micro furo tapado e as minhas iniciais. Não havia dúvida, era a mesma pulseira.
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Ele retirou os pedacinhos e os pôs numa solução reagente. O liquido que era incolor, mudou para um tom vermelho forte. Breno fez uma expressão de felicidade! Pegou então uma gota do líquido e o pôs num analisador, que desenhou um gráfico com todos os componentes. Breno fez uma expressão de felicidade!
- Então era isso! Descobri o que estava faltando! Agora vocês já estão liberados. Podem cuidar da sua vida que em poucos dias já terei uma pulseira igual para mim.
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Nós nos despedimos de Breno e fomos para casa.
(continua...)
Autor:José Frajtag
E-Mail: josefrajtag@ymail.com

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