sábado, 27 de agosto de 2011

CONTOS DO MUNIR 73-O VENTO E O CRIME

O VENTO E O CRIME
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João acreditou que estava em uma loja comprando móveis para o ar livre. Ficou um pouco surpreso quando os dois grandões na porta perguntaram o que ele queria. Candidamente disse: – Vim atrás de uma cadeira! – a porta foi aberta.
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Gostou de uma cadeira e procurou sentar-se. Achou estranho que, no terraço onde se encontrava, houvesse uma pista de pouso de helicópteros.
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Apareceu um cara dizendo que a cadeira era dele e foi sentando. João o segurou pela gola do paletó e disse: – Não é não! – o cara se debateu e, como estavam junto à grade do terraço, acabou caindo do vigésimo sétimo andar. João virou-se pra ele falando: – Não tive a intenção de jogá-lo, veja se você não se machucou... – o cara: – É tarde! Já estão abrindo o buraco e vão me colocar lá dentro.
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João espiou: dois homens de macacão cinza e pás abriam, com precisão geométrica, um retângulo na terra para enfiar o caído.
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Homens de terno começaram a chegar e a tomar lugar na grande mesa. O líder do grupo, olhando para João, perguntou: – Cadê o Eriberto? (o cara ao lado de João sussurrou no ouvido dele: – Sou eu – e desapareceu).
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João, cheio de arrependimento, contou que sem intenção o havia jogado lá embaixo. O chefe: – Que pena! O Eriberto era um cara “vira” (“vira”, de vira-resultados). João tentou se explicar, relatando que viera atrás de uma cadeira. O líder o interrompeu: – Pode ficar com a do Eriberto! “Quem vai ao ar perde o lugar”, o pessoal da limpeza já está cuidando de tudo.
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João sentou-se à mesa e um dos presentes, apontando com uma caneta laser, começou a mostrar gráficos dos últimos lucros, os demais assentindo com a cabeça.
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O chefe comentou com João que Eriberto havia contribuído muito para aquele resultado e esperava que nos próximos três meses, quando se daria a próxima reunião, ele se mostrasse tão “vira” quanto o desaparecido. Foram distribuídas pastas com documentos e envelopes lacrados. João ficou com os de Eriberto.
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Havia saído de seu escritório de corretor de imóveis e, decorridas cinco horas, voltava tendo cometido um assassinato, portando uma pasta com um punhado de diamantes e instruções contidas nos envelopes, ininteligíveis a ele.
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João pensou em dar parte à polícia. Logo refutou o pensamento – ele é que tinha cometido um crime e aquela turma, do jeito que encarou a morte de Eriberto, não o perdoaria. Copiou uma parte da instrução, aquela que continha símbolos que ele conhecia. Iria mostrá-la a um amigo seu, PHD em matemática. Guardou tudo no cofre do escritório.
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No dia seguinte, almoçando com o matemático, mostrou o que tinha copiado; seu amigo, espantado, perguntou onde tinha conseguido aquilo, explicando que era uma sequência de uma série de algoritmos em linguagem híbrida, específica para a Bolsa de Valores, e quem tivesse prática e soubesse utilizá-la, poderia ganhar uma fortuna. Em linguagem natural, simplificada, seria mais ou menos assim:
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1 - Obtenha códigos de investidor, escolha em pregão da Bovespa. 2 - Selecione papéis dentre os mais negociados de cada inicial alfabética. 3 - Compre X de cada um de dois papéis que tenham variação diária +/- 4,50%; para comprar estabeleça valor pouco inferior à cotação presente e faça oferta de compra por 30 dias nesse valor. 4 -Venda no máximo Y por investidor, por mês; para vender estipule um valor pouco superior à cotação presente e faça oferta de venda por 30 dias nesse valor. 5 - Aplique o lucro em renda fixa.
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João meditou: não é o meu caso...
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Acompanhou à tarde alguns clientes e, como era um experimentado corretor, finalizou a venda de dois imóveis. Não voltou ao escritório neste dia. Na manhã seguinte, ao abrir o cofre, viu que os envelopes haviam desaparecido. Apenas um, com seu nome em lugar do de Eriberto, estava lá. O punhado de diamantes, intocado.
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Começou a ler o que estava escrito. À medida que lia, as palavras desapareciam; era um agradecimento à sua presença na reunião e a dispensa de comparecimento à próxima, e que talvez ainda precisassem dos seus serviços.
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João suspirou aliviado.
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Os diamantes foram negociados paulatinamente e o produto da venda doado a instituições beneficentes.
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Esta história passou-se na madrugada do dia seguinte à queda de bicicleta, quando João regressava do Arpoador para o Leblon. Ao passar na ciclovia em frente à rua Francisco Otaviano, uma rajada de vento noroeste de mais de setenta km/h arrastou lateralmente a ele e à bicicleta na direção da amurada, obrigando João a cair para não se precipitar de uma altura de três metros. Ficou imobilizado, a perna esquerda presa como em um golpe de judô. Foram necessários dois homens fortes para retirá-lo; as escoriações foram leves.
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O jantar de João naquele dia foi regado a bons vinhos. O cardápio: lombinho com abacaxi, rabada com agrião e polenta, e a sobremesa pudim de goiabada com sorvete de queijo.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

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