terça-feira, 16 de agosto de 2011

CONTOS DO MUNIR 72: O PROFESSOR

O PROFESSOR
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Era professor de matemática em um colégio religioso. Ensinava em mais quatro, compensava assim o baixo salário... No fim do mês pouco restava. A motoneta, fácil de estacionar, lhe permitia chegar a tempo às aulas.
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Quando menino morava em uma comunidade da Tijuca, depois, formado, trabalhando e subindo na vida, mudara-se com sua mãe para a descida na entrada da rua. Agora não tinha mais tempo nem para capoeira e futebol
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Negro, de olhos castanhos escuros, um contraste; a esclerótica tão branca como seus dentes de marfim. Porte atlético, bem afeiçoado, raspava os cabelos, o que o fazia parecer um faraó. Embora fosse da geração dos Lucas, Tiagos, Washingtons, Davis, Wellingtons, Rooselvelts, Jeffersons, Clevelands, seu nome, Benedito. Vinte e cinco anos, mestrado em Matemática, formando em Engenharia Mecânica.
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Luiza, dezesseis anos, morena, olhos claros, cabelos soltos moldando a beleza de seu rosto, juventude explodindo em seu corpo sarado de Academia, atrasada nos estudos. O pai, um diplomata, recém chegado de um país africano, veio morar na zona Sul do Rio de Janeiro.
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Era inteligente, mas, a falta de base, transformava as equações de segundo grau em um mistério mais indecifrável que os cinco mistérios do terço que ela rezava na aula de Religião. Frequentemente se socorria com o professor. Ele, paciência franciscana, atendia, sacrificando algumas vezes seu tempo de almoço. Não se arrependia, a proximidade da jovem o animava.
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Havia pensado em desistir de dar aulas por causa da baixa remuneração, mas ficava gratificado ao ver que alunos que solicitavam sua atenção obtinham bons resultados.
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A índole, a tolerância e o bom humor de Benedito, o tornaram estimados por todos os alunos.
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Certa vez, na aula em que ele procurava demonstrar o Teorema de Pitágoras, desenhando no quadro negro, de costas para a turma, ouviu:
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“Esse Pitágoras era um matemático filho da P...”
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Benedito reconheceu a voz do Trindade, um menino inteligente e que detestava Geometria.
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Virou-se e perguntou - “O que você disse Trindade?”
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E o Trindade:
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“Eu disse que Pitágoras era um matemático de Siracusa.”
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A turma caiu na gargalhada.
Então, o mestre esclareceu que Pitágoras era grego de Salmos, uma ilha, e que o aluno tinha certa razão, pois consta a lenda que o geômetra formulara seu teorema quando ia com os netos a caminho de Siracusa.
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Trindade ficou sério, e mais tarde foi pedir desculpas. A partir desse dia, melhorou muito suas notas em geometria.
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Luiza conseguira entender e resolver as equações do segundo grau, entretanto ainda buscava o professor, sentia-se atraída por ele. Benedito gostava que ela o procurasse, já não a via só como aluna, mas também como mulher, Luiza usava um perfume suave e feminino, que ele aspirava com prazer.
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Luiza, atrasada para a aula da academia, viu o professor no pátio, pronto para sair na sua motoneta. Perguntou se ele não poderia lhe dar uma carona. Benedito alegou que estava sem outro capacete e além do mais não ficaria bem dar carona para uma aluna. .
Luiza insistiu que eram somente três quadras e que estaria esperando por ele do lado de fora do colégio.
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Carona dada, Luiza abraçou, com força além da necessária, o corpo de seu condutor.
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Os pais de Luiza não tardaram a perceber que a mocinha passou a chegar do curso de inglês mais tarde do que de hábito.
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Um detetive contratado passou a segui-la, uma foto foi mostrada aos pais da moça. Ela, de capacete, na garupa da motoneta na entrada de um motel.
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A denúncia foi levada à polícia e ao colégio. Benedito perdeu seu emprego, e passou a responder a processo por abuso sexual de menores.
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Tratado em sigilo pela escola, os prejuízos foram restritos, não atingindo os outros colégios.
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Benedito, por determinação judicial, foi proibido de se aproximar de Luiza que, entretanto, não deixava de com ele se comunicar usando celular e redes sociais.
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O processo se arrastava na Justiça.
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O antigo mestre, agora engenheiro mecânico de capacidade inventiva, montou uma oficina. Patenteou e iniciou a fabricação de uma colher de sorvete aquecida que permitia eliminar a gordura hidrogenada.
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Luiza completou dezoito anos. Deixou a casa dos pais e foi morar no apartamento novo que Benedito comprara. Breve os pais de Luiza eram avós.
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A mãe de Luiza adorava a criança, o pai, por orgulho se mantinha distante, acabou se rendendo ao sorriso brejeiro da menina.
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Os pais de Luiza tentaram desistir da ação, o Ministério Público negou.
Ao julgamento compareceram: Luiza e o marido, empresário Benedito; os pais de Luiza, embaixador Azevedo e esposa; a reitora do colégio e a antiga classe; o Trindade lembrando a história do Pitágoras.
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Benedito foi condenado, por quebra de ética a prestar serviços assistenciais em escolas públicas (o que ele já fazia).
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O Trindade convocou seus colegas, ali mesmo na sala do Tribunal para que se apresentassem como voluntários. Foi aplaudido com entusiasmo.
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Esta história, baseada em fatos verídicos passou-se na época da Lei Afonso Arinos e da reserva de cotas nas Universidades, que demonstram a discriminação ainda latente.
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Se o professor fosse rico, ensinando inglês, filho de americanos e em vez de lambreta, tivesse um Malibu, provavelmente não haveria queixa à polícia e a história teria outro final.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

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