domingo, 27 de setembro de 2009

Contos do José Frajtag - 2

Um arquiteto em viagem - parte 2
José Frajtag/josefrajtag@ymail.com

Em L.A., ainda abalados com o acontecido, ficamos o resto do dia deprimidos e não fizemos nada. No dia seguinte, acordamos com os pensamentos mais claros. Ora! - pensávamos, o Oscar estava morto, iria mesmo ser cremado, então nada de mal fizemos!
Neste dia, fomos a Disneyland. Já conhecíamos a Disneyworld da Flórida e essa apesar de excelente, perdia na comparação por já estar velhinha. Descobrimos depois um parque chamado Knott’s Berry Farm, que é uma alternativa interessante. Este último era uma antiga fazenda de cerejas, que foi transformada em parque de diversões, onde é possível passar várias horas divertidas.
No nosso penúltimo dia disponível, logo ao acordar, estávamos a pensar o que poderíamos fazer de interessante naquele dia ensolarado de verão. Peguei o guia de viagens, e logo surgiu a idéia quase óbvia: Por que não conhecer a tão falada praia de Santa Mônica. Aliás, em viagens anteriores, conhecemos várias praias em outras cidades americanas. Falando francamente foram várias decepções. Para quem já conhece as nossas praias brasileiras, especialmente as de Búzios ou do Nordeste, podem ter certeza! Dificilmente verão mais lindas, a não ser talvez as do Caribe.
Os americanos fazem de suas praias mais bonitas, uma coisa mais restrita, a maioria delas tem o acesso dificultado, bloqueado mesmo pelos condomínios, que as tornam algo exclusivo. Para nós, pobres turistas, só é possível desfrutá-las se estivermos lá hospedados. Os que como nós, estão só de passagem e querem apenas dar uma olhada, encontrarão pela frente guaritas, que nos EUA, são obstáculos intransponíveis, seja você quem for.
Mas, informado que esta era realmente uma praia pública, tomamos a decisão, olhei no mapa da cidade para conferir, e constatei:
- Ora veja só meu bem, a praia é bem perto, é dentro da cidade mesmo, disse eu..
Vi no guia o nome de um ônibus que nos levaria para lá, e que parava na porta do nosso hotel. Achando fácil, resolvemos dispensar um táxi, e lá fomos nós. Era um moderno ônibus com ar condicionado. Só que o mapa estava com a escala errada e escamoteava várias ruas. Los Angeles é uma cidade super gigantesca, na realidade, a praia de Santa Mônica fica a uns 80 km do centro de L.A. e a viagem nos tomou um bom par de horas.
No ônibus, passagem já paga, decisão já tomada, resolvemos continuar, apesar de já sabermos a duração da viagem.
No caminho, fomos apreciando os tipos de pessoas, bem diferentes das que conhecemos no Brasil. Muitas são enormes de gordas, de um tamanho que é raro encontrar em nossa terra. Os americanos em geral costumam se entupir de comida gordurosa, e não param de comer em momento nenhum, nem mesmo no ônibus, onde vários iam fazendo o seu lanchinho. Vocês já viram o tamanho dos docinhos deles? São duas a três vezes maiores do que os nossos, e eles os devoram com a maior facilidade.
Outros tipos, raros em nossa terra, são os velhinhos daqui. Eles tem devido ao clima, e a idade avançada, muitos problemas nas juntas e quase todos andam de bengala, alguns de andador e vários de cadeira de rodas.
E ainda existe por aqui uma quantidade enorme de inválidos de guerra. É bem natural, vindo de um povo, que até a pouco, enfrentava o Vietnã, além de enfrentar várias guerras menores em todo o mundo.
Curtimos muito o maior espetáculo da terra, ou seja, a observação de pessoas. Numa das paradas do ônibus, subiu um mutilado de guerra. O pobre homem estava todo torto e até consegui-lo fazer subir, foram vários minutos.
Os demais passageiros ficaram indiferentes a sua entrada. Nós estávamos cheios de pacotes, guias, máquinas fotográficas etc. e aguardamos alguém se manifestar, como nada acontecia, e o pobre homem continuava de pé, eu já ia me levantando para oferecer o meu lugar. Mas o motorista tinha sido mais rápido, numa bela atitude parou o ônibus, se levantou e praticamente escolheu quem deveria se levantar para dar o lugar ao inválido.
O cidadão escolhido não reclamou, levantou-se imediatamente, só aí é que todo mundo viu que ele era tão mutilado quanto o outro. O motorista ficou vermelho de vergonha e lhe pediu mil desculpas, mas o homem disse que não era para ele se desculpar, pois ele iria saltar no ponto seguinte. Pronto! Tudo ficou bem, mas o assunto deu margem a que nos ríssemos bastante..
A viagem ainda estava pelo meio, e lá pelas tantas, percebemos, que uma mocinha loura, que até então ia lendo um livro bem quietinha, agora o lia murmurando um tom mais alto do que antes. Ela ia lendo passagens da Bíblia, e nos intervalos ia soltando cabeludos palavrões contra o seu ex-noivo que a tinha engravidado e abandonado. No começo só nós que estávamos perto ouvíamos, eu até que no começo fazia o possível para conter o riso, mas lá pelas tantas, eu já não estava achando mais graça. A reza parecia interminável e já estava incomodando a todos os demais. Foi quando que lá de trás do ônibus ouvimos um grito de um homem:
- Hey you! Shut your mouth and fock off! (Hei você! Cale a sua boca e se mande daí!)
A mulherzinha ficou uma arara. Levantou-se e disse:
- Estamos numa democracia. Falo o que bem entender e ninguém tem nada com isso. Se não está satisfeito, o senhor escolha uma pica bem grossa e sente em cima!
Tendo a conversa chegado a esse nível, depois de muitas gargalhadas, baixou um tremendo silêncio. O cara lá de trás para alegria de todos, recolheu-se a sua insignificância e não respondeu. Ainda bem, pois o clima poderia esquentar.
Se a viagem terminasse aí, já teria sido inesquecível para nós, mas não. Na parada seguinte, entrava mais gente, e o ônibus continuava cada vez mais cheio. Até que entrou uma senhora de aparência muito distinta, que ousadamente ficou em pé além da faixa amarela, que existe junto ao motorista. É local proibido. O nosso bom motorista pára o ônibus mais uma vez e pede muito educadamente para aquela senhora recuar.
- Não se preocupe, respondeu ela, não estou a fim de me suicidar. Não hoje pelo menos, hoje estou ótima. Antes estava péssima e o senhor pode dizer qualquer forma de suicídio, que eu já tentei. Mas isto foi antes, repito, portanto fique tranqüilo.
O nosso motorista para o ônibus, agora pela terceira vez, se vira e pergunta para a loura maluca:
-Meu bem, você sabe o que é necessário para que eu seja feliz?
- É claro! Leia a Bíblia todos os dias, responde a doidinha.
- Não! Diz o nosso raro motorista. Basta que me deixem dirigir em paz, sem me encher o saco! Tendo dito isto a viagem prosseguiu até o seu destino sem mais interrupções.

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