quarta-feira, 23 de novembro de 2011

CONTOS DO MUNIR 76

TUCHA

Tucha, fique quieta! - Dizia Luiz para a Rottweiler de rabo não cortado, o que a tornava diferente dos cães de sua raça.

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Tucha era extremamente dócil, seu tamanho amedrontava. Pesava cerca de 40 quilos, medindo do focinho ao longo da cauda negra, 1m40cm. Cresceu em uma casa cheia de crianças, que lhe puxavam o rabo comprido sem se incomodar com isso. Tucha odiava motos. O ruído do motor a enfurecia, ficava quase incontrolável. Bicicletas, automóveis, ônibus e caminhões não a perturbavam. Já explosões de fogos, a apavoravam.

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Luiz seguia a rotina de passear com a cadela todas as tardes. Ia até a praia, depois andava pela rua Aperana e às vezes subia a Igarapava, onde tinha uma namorada. Sentavam-se os três na escada do prédio e a Tucha no degrau mais baixo a vigiar os dois.

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Tucha entrou no cio e Luiz levou-a a um canil em Jacarepaguá. O dono criava Rottweiler e um deles era Thor, rabo cortado, um pouco mais baixo, porém mais forte e pesado, de um pedigree super disputado.

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Dois dias se passaram e o veterinário, dono do cão, ligou para Luiz pedindo que ele fosse buscar a cadela, que, embora no cio, não aceitava o Thor. Ele mesmo, como dono de canil e veterinário, não entendia o que se passava. Dizia mais: a cadela ficava quieta em um canto do canil, parecia muito triste; breve, o período da cruza passaria.

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Luiz foi no mesmo dia buscar a Tucha. Ao chegar, ela pulou de alegria, colocando as patas dianteiras no peito de Luiz, querendo abraçá-lo.

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Thor aproximou-se e ela o aceitou. Olhava para Luiz, com uma expressão quase humana, como se pedisse perdão pelo que fazia.

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Até mesmo quando teve crias, não se alterava quando os meninos se aproximavam. Muito pesada, dormiu sobre as crias, asfixiando-as; eram seis.

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O tempo correu oito anos de convívio.

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Tucha, quieta! - repetiu seu dono, tensionando a guia.

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A cadela insistia em comer a carne de galinha em um prato com farofa amarela que fora deixado como despacho nas pedras do final do Leblon, onde seu dono a levava em seu passeio quando chegava a casa.

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Ainda comeu um bocado.

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Ao regressar, Luiz meio zangado começou uma conversa não muito amistosa com a cadela. Aborrecido, dizia, elevando a voz, que ela não deveria ter comido aquela macumba. A conversa demorou algum tempo, a Tucha ouviu com paciência, até quando começou a rosnar talvez por efeito da toxidade da droga que havia no que ela tinha comido. Fato é que Luiz abaixou a voz e a deixou quieta no terraço onde tinha o seu abrigo.

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Na manhã seguinte, Luiz esperava ver a cachorra junto à porta com a guia e a coleira na boca pronta para o seu passeio, mas ela não estava lá. Luiz foi ao seu encontro, subindo a escada em caracol. Encontrou-a deitada, desanimada. Nem o bocado da ração temperada, a qual ela mais gostava a animou. Desceu a escada preguiçosamente quase arrastada.

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Na rua, a moto barulhenta sem silencioso passou. A reação de Tucha quase zero.

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Luiz a levou ao veterinário;

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Dois dias depois, e Tucha, por efeito do veneno já impregnado em seu organismo, veio a falecer. Ainda houve a tentativa de operá-la.

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Tucha deixou saudades em casa, nos porteiros que a conheciam e na rua Igarapava.

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Nota do autor:

No tempo em que esta história se passou cães da raça Rottweiler não eram obrigados a usar focinheiras, o que poderia ter salvado a vida de Tucha.

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