sexta-feira, 4 de novembro de 2011

CONTO DO JOSÉ FRAJTAG - GEORGE-Parte 1

George

Capitulo 1

Acordei de um sono extremamente agitado e ao pé de minha cama estava Paul McCartney! Ao lado, John Lennon e Ringo Starr! Eu me estapeei violentamente, pois era lógico que mesmo estando acordado, tratava-se de um pesadelo! Paul gritava:

-Vamos logo George, temos apenas 20 minutos para nos apresentar. Chega de dormir, porra! São vinte para as sete, da noite!

-Calma, calma! Respondi, ainda estou meio zonzo! Que dia é hoje? Quem sou eu? Onde estou? Apresentar-me? Onde?

-Você deve estar brincando né? O que será que houve afinal com você? Disse Paul. Santo Deus! Deve ser uma sequela de ontem à noite!

-Você é o George Harrison, continuou ele, hoje é dia 12 de fevereiro de 1964! Estamos no camarim do Carnegie Hall! Lembra agora? Vamos fazer o nosso segundo show nos Estados Unidos.

“Caracoles! Que porra era essa, que estava acontecendo comigo? A data estava correta, pensava eu. Na minha cabeça era mesmo no dia 12 de fevereiro, mas era uma das poucas coisas certas naquele momento, pois meu nome na realidade é Charles Beckham e não George Harrison. Sou um cantor e guitarrista inglês, amo os Beatles como qualquer um, mas moro em New York e não em Londres e definitivamente não era um Beatle.”

-Vocês devem fazer parte de minhas alucinações!Flora, meu amor! Eu me virei para falar com minha esposa. Você está vendo isso também, ou estou maluco? Epa! Cadê a Flora? O que vocês fizeram com ela?

-Flora? Que Flora? Falava Paul, você estava sonhando com mulher! Isso é típico de você!

-Esse George é uma piada! Falava John Lennon, aumentando ainda mais o meu desconforto.

-Para com isso, John, disse Paul, não faça piada, pois pode ser algo sério. George, meu querido, você não se lembra mais do que aconteceu ontem a noite? Você quase morreu!

-Ajudem-me a me levantar, pois estou zonzo, preciso ir ao banheiro e depois vocês me explicam isso direito!

Levantei-me com ajuda de Paul, mas mesmo assim quase caí da cama.

No banheiro, literalmente vomitei as tripas, quase desmaiando. Olhei-me ao espelho e foi o meu segundo maior choque; no reflexo eu via o George Harrison; o som da minha voz era o de George, inconfundível! Joguei um monte de água gelada na minha cara e me estapeei de novo:

“Não pode ser! Isso não está acontecendo! Pensava eu. Meus maiores ídolos estão aqui comigo, e eles me dizem que eu sou um deles! E o diabo do espelho mostra que sou mesmo! É sem dúvida o melhor, quero dizer, o pior pesadelo que eu já tive. Acorda, acorda, porra!” Olhei de novo e George Harrison olhava de volta, usando um quimono como pijama e também se estapeava, imitando cada gesto que eu fazia.

“Por que, por quê?” Eu perguntava desesperado, mas a resposta não vinha. Tive uma súbita cólica, mas seria muito desagradável descrever seus óbvios efeitos.

“O que faria agora?” Pensava em todas as alternativas possíveis:

“Será que sempre fui o George e sonhei que era o Charles? Ou foi o contrário? Será que eu estou sofrendo de dupla personalidade, portanto sou esquizofrênico?” Conclui que o melhor naquele momento era deixar o barco correr. Ouvi então uma campainha!

-Como é George? Você está bem? Já estão nos chamando! É o primeiro toque!Era Ringo, querendo saber de mim.

Perguntei dessa vez a Ringo:

-Que roupa devo usar?

-Vista a de sempre! Ali no seu armário! Você está mal mesmo George, tua cara está branca como papel! O médico já tinha me avisado de que poderiam acontecer mesmo sequelas. Fique bom, meu amigo, pois precisamos de você!

-Desculpe-me hoje, Ringo, deve ter sido algo que tomei ontem e vou fazer tudo para sair dessa, mas qual é o meu armário? E que história de médico e sequelas é essa?

-Tudo bem! Teu armário é o segundo a contar da direita para a esquerda! Depois do show a gente te conta o que aconteceu!

Peguei uma roupa, igual à que os três já estavam usando e que me caiu perfeitamente. Peguei a “minha” guitarra. Graças a Deus sou um guitarrista razoável e sei tocar todas as canções dos Beatles, porém o toque pessoal de George é inimitável. Não havia outro jeito; fui em frente para o que der e vier.

Nos poucos minutos que restavam, tentei recapitular meus últimos momentos como Charles Beckham e o que poderia ter acontecido:

“Meu Deus! Isto está realmente acontecendo? Vamos lá, por partes: Eu, Charles existo mesmo e sou o guitarrista principal do The Cavern, tentativa de copiar o Cavern Club de Liverpool, mas que fica em Greenwich Village, em New York. Eu faço a parte de John Lennon no conjunto Village Beat, que faz cover do Fab Four, o carinhoso apelido dos quatro garotos de Liverpool. Meu último pensamento era o de estar dormindo com Flora, minha mulher. Mas espere aí, onde eu estou? Que cidade é essa? Ah! Porra! É claro que o Carnegie Hall fica em New York!”

Ah bem! O choque seria ainda maior se eu estivesse na Inglaterra; seria ainda mais difícil de explicar, não é mesmo? Como se fosse fácil de explicar aquele absurdo que estava acontecendo. Mas não havia mais tempo para pensar. Fui gentilmente empurrado para o palco do Carnegie Hall, as luzes se acenderam e tocamos para valer. Eu fechava os olhos e me imaginava tocando junto com meu grupo cover, Village Beat. Tudo deu surpreendentemente certo, mesmo sem eu ter ensaiado e mesmo com as pessoas na platéia gritando nossos nomes, e cantando as canções junto conosco, a ponto de quase não ouvirmos uns aos outros.

Depois da apresentação, vieram os três Beatles conversar comigo:

-Georgie, dizia John. Hoje você se superou e está tocando demais! Ainda bem que o que aconteceu ontem à noite, não afetou o teu talento! Mas o que é que deu em você, para inventar aqueles acordes novos, sem ter ensaiado com a gente antes? Em Washington no nosso primeiro show, você fez diferente, mas tudo bem! Deu super certo! Meus parabéns, embora pudesse ter posto tudo a perder!

-Desculpe-me John, e a todos vocês. O que foi que aconteceu comigo? Não me lembro de nada da noite passada! Alguém pode me ajudar?

-Georgie, Georgie! Continuava John, não me recordo de você bebendo mais do que os cinco ou seis uísques habituais, que nunca te derrubaram, mas ontem à noite você estava com o sono muito agitado e nos acordou a todos. De repente você parou de se mexer e de respirar. Tomamos um susto, pois achamos por alguns segundos que você tivesse morrido. Em seguida você voltou a dormir normalmente. Chamamos um médico indicado pelo gerente. Ele te examinou e disse que você poderia ter sofrido uma apneia ou uma parada cardíaca, que poderia gerar algumas sequelas. Deve ter sido isto que provocou essa amnésia. Ele checou suas reações e viu que não tinhas ficado com nada paralisado, portanto a principio descartou um AVC, mas foi por pouco.

-Ele disse para hoje você ir fazer esses exames aqui, e tomar esses remédios, disse Paul, me entregando uma receita. Depois do show ele vai voltar para te ver. Antes do programa Ed Sullivan, você também quase não foi, pois ficou doente. A gente teve que te encher de remédios, mas você não vai se lembrar, né? Dois episódios, quase em seguida são muito preocupantes!

-Realmente não me lembro de nenhum desses dois episódios! Para ser sincero, não consigo me lembrar dos últimos meses. Pensei com meus botões: ”Claro que eu não poderia lembrar daquilo que não vivenciei! Eu teria de daí para frente continuar contando mentiras”.

-Não precisam responder por que não me disseram antes, continuei, pois é lógico que foi para não me deixar mais nervoso ainda, não é? Em Londres, eu vou me tratar.

-Acho que você deve procurar o Dr. Robert para ver o que está acontecendo, disse Ringo.

-O Dr. Robert está aqui? Perguntei.

-Não, não! É uma piada Georgie, falou Ringo, rindo nervosamente. Ele não existe, é apenas o apelido que a gente deu pro John, que está sempre cheio de Pílulas, e é também uma música que ele está escrevendo! Meu Deus! Se você não se lembra disso, você está mesmo mal. Eu se fosse você, parava de beber, até ver o que está acontecendo contigo, falou Ringo. Agora se prepare, pois vamos entrar para o segundo show! E assim repetimos o show e de novo a casa veio abaixo.

(continua...)

Autor:José Frajtag

E-Mail: josefrajtag@ymail.com

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