segunda-feira, 14 de novembro de 2011

CONTO DO JOSÉ FRAJTAG - Parte 4 (Final)

George

.

Capítulo 4-Final

Não participei dos eventos subsequentes, pois em novembro de 1970, eu fiz uma viagem sozinho a New York. Estava participando de um encontro preliminar, para organizar o Concert for Bangladesh, beneficente, que seria feito em 1971, para ajudar aquele pobre País, e aproveitei, para tentar ver Flora, Charles e minha filha Janet. Ao chegar, me hospedei no Grand Hyatt Hotel, e minha intenção era vê-los na manhã seguinte. Acordei numa cama de hospital.

Flora e Janet estavam olhando para mim e nós três ao mesmo tempo demos o maior berro:

-Ele acordou, socorro! Ajudem aqui. As duas me beijaram e me abraçaram como loucas. Flora não era tão gostosa como Pattie, mas até que ela tinha dado uma caprichada legal neste período. Janet estava muito linda.

A princípio achei que eu tivesse sonhado tudo, aquilo, mas além de Flora, todo o hospital veio me cumprimentar, por ser o amigo de George Harrison. Mostraram-me as fotos para que eu “acreditasse” que ele tivesse vindo me visitar. Tive de fingir surpresa, mas confirmei que éramos amigos. Flora ainda me deu uma bronca por contar segredos nossos.

-Isto não se fala nem a um Beatle amigo, dizia ela, é um absurdo!

E assim foi tudo, eu tinha perdido uns 30 kg; quando levantei já praticamente estava habituado, pois era o peso que eu tinha como George. Resolvi me manter assim daqui para frente. Flora adorou! A primeira coisa que fiz ao sair do hospital foi comer carne. Para isso fomos todos à Mineta Tavern no Greenwich Village, onde comemos até quase cairmos das cadeiras. Depois disso, voltei a comer habitualmente meus pastramis, dos quais eu morria de saudade.

Em Dezembro, Paul foi à justiça para determinar oficialmente o fim dos Beatles. O sonho acabou.

Hoje me pergunto se a minha chegada foi o catalisador que fez desandar aquela fantástica fórmula de sucesso? Isso nunca me sairá da cabeça! Procurei encarar tudo o que aconteceu com a maior naturalidade possível para não enlouquecer. Volta e meia ainda acordo assustado sem saber se ainda sou Charles ou se voltei a ser George.

Soube que George, depois daquele absurdo acontecimento, logicamente, nada contou para ninguém. Ele poderia ser internado em um manicômio, mesmo sendo um Beatle! Hoje acredito que a mente de George esteve o tempo todo lá no “nosso” corpo, abafada pela minha, porém absorvendo subconscientemente boa parte, ou mesmo tudo o que vivenciei e ao mesmo tempo sendo a minha verdadeira inspiração; depois que voltei a ser Charles, nunca mais consegui compor nada que prestasse. Portanto o mestre era mesmo o grande Georgie.

Vocês já imaginaram acordar de repente, num quarto de hotel em outro País e descobrir ter perdido oito anos de memórias? George dormiu com a namorada Pattie e ao acordar, descobriu estar casado com ela, estar com sequelas psíquicas de LSD e que seu grupo Beatles estava acabando, sem que ele tivesse participado ou composto nada para eles, esse tempo todo? Sim, pois após a instrumental Cry For A Shadow que ele fez com John Lennon em 1961 e Don't Bother Me, de 1963, o resto tinha sido trabalho meu. O quê meus amigos? Realmente eu só compus graças a George inconscientemente ter me dado a inspiração, mas ele não tinha como saber naquele momento, não é?

Mas o pior mesmo era saber que alguém o teria substituído esse tempo todo, em tudo o mais... Que choque não deve ter sido! Ele deve ter feito frenéticas pesquisas para descobrir o que aconteceu na sua ausência. Não sei como ele conseguiu esconder isso da mídia. Arrisquei ligar alguns dias depois para Pattie, que estava em Londres. Eu fingi ser ele e ela me perguntou quando “eu” iria sair do Hospital e se “eu” queria que ela viesse a New York para me dar uma força. Foi assim que eu soube, que secretamente ele tinha se internado em NY mesmo, para superar essa crise. Essa ligação, reconheço que foi um risco; e se George já estivesse em Londres, com ela? Ia dar uma bruta confusão.

Contei tudo para Flora e Janet; elas acreditaram, me perdoaram e têm um grande orgulho de ter um marido e um pai que foi um Beatle.

Fiquei com receio de que George, ao fazer suas pesquisas, descobrisse a minha existência, como seu alter ego. Poderia me criar sérios problemas, mas nada aconteceu. Acho que ele não era tão louco de ir tão fundo.

Quase dois anos depois de acordar, soube que ele ficou mais místico ainda do que eu já era, e passou a beber muito, o que dificultou mais ainda a sua readaptação à realidade e minou a relação com Pattie, tendo se voltado para amantes. Pattie, por sua vez começou a se interessar mais e mais pelo Eric Clapton, nosso falso amigo. George acabou se separando da minha linda Pattie, que inevitavelmente se casou com o Eric. George se casou mais tarde com uma mexicana, Olivia que não conheci

George abandonou a “nossa” casa, que foi demolida, indo para bem longe com a nova mulher. Com ela teve um filho Dhani, que hoje parece um clone de seu pai. Ele conseguiu recuperar o tempo perdido, compondo daí para frente, centenas de músicas; escreveu muito mais do que no tempo Beatle, quando éramos tolhidos por John. Agora ele estava livre!

Adotou também, não por coincidência a filosofia Hare Krishna; certamente ele foi influenciado por um restinho de minhas memórias, que ficaram impregnadas em seu cérebro e até mesmo pela decoração oriental da casa. George até incorporou o mantra Hare Krishna, no seu My Sweet Lord, adotando essa filosofia como sua. Ele organizou na época, com sucesso o Concert for Bangladesh, que eu tinha começado, usando essa influencia.

Pensei em contar a verdade para George, mas fui adiando, até que nada mais foi possível fazer, pois como vocês sabem, ele cumpriu o seu destino na Terra, vitimado por um câncer. Senti ao saber, como se parte de mim tivesse morrido. Chorei como criança durante vários dias, sentindo-me em parte responsável pela sua morte precoce. Flora e Janet também compartilharam esse sofrimento.

Nada posso provar para ninguém! É a minha palavra contra a de todo o mundo. Tenho a minha foto autografada por George, mas o que isto prova? Nada! Pois se alguém a examinar, verá que a assinatura foi forjada! Mas claro que sim, pois se foi a minha primeira tentativa de assinar algo, como sendo George, lembram? No entanto, os que me lêem, vão tentar acreditar, não é? @

(Final )

Autor:José Frajtag

E-Mail: josefrajtag@ymail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário