sexta-feira, 4 de novembro de 2011

CONTOS DO MUNIR 75 - Parte 2

A MEGA-SENA E OS POBRES DO LEBLON - Parte 2
.

ANTONIO

.

Antonio fazia ponto em frente ao Bradesco da Ataulfo de Paiva. Branco, já encardido pelo tempo, sem banho, calças jeans rasgadas, camiseta branca com nódoas indefiníveis, sandálias japonesas de números e cores diferentes, barba e cabelos crescidos emaranhados, talvez fossem alourados, impossível Identificar. Esse era seu uniforme de verão. No inverno, usava um paletó preto que alguém lhe dera

.

Dava para notar que ainda era jovem, articulado no falar, não bebia, ou quem sabe o cheiro da bebida desaparecia no odor de mendigo que desprendia.

.

Os passantes e os clientes do Banco lhe davam as moedas de longe, o braço estendido.

.

Antonio tinha um cliente, também cliente do Bradesco que sempre lhe dava uns trocados. Certo dia, o homem cansado de vê-lo sujo e mal cheiroso, fez-lhe uma proposta.

.

-Vou te dar cinquenta reais se amanhã aparecer de barba feita, banho tomado e roupa limpa.

.

No dia seguinte, quase não foi reconhecido e a promessa foi cumprida.

.

Antonio deixava seu ponto às 20h30m. Era domingo, o homem da promessa se encaminhava para a missa. Escutou alguém o chamando.

.

-Veja o que o senhor fez comigo, não ganhei nem mais um tostão. Tô indo agora pro meu outro emprego de pobre na Rodoviária, lá digo que fui roubado e preciso de grana pra comer e viajar para Minas.

.

ALEXANDRE

.

Alexandre era empalhador de cadeiras, seu ponto era em frente ao antigo Mac Donald’s. Era o preferido da área. Fazia um bom trabalho. A mudança de comportamento foi lenta, mas inexorável. Como trabalhava a céu aberto, no inverno tomava uma cachacinha para esquentar. A bebida o animava, e aparentemente acelerava seu trabalho. Recolhia os móveis que iria reparar na residência do cliente e entregava pronto. Tinha um serviço de qualidade que se deteriorava na razão direta da cachaça ingerida. Acabou tornando-se um bêbado a mais no Leblon. Contraiu diabetes e foi obrigado a ter parte de seu pé direito cortado. Entrou no grupo de mendigos explorados que chegam e vão de Kombi.

.

DR. FELICIANO

.

O DR. Feliciano tem aproximadamente setenta anos, anda bem vestido, traje social, sapatos lustrados, barba feita, cabelo penteado, parece que está indo à missa ou ao cinema. É bem provável que more só. Deve ter adquirido a síndrome de mendigo. Por volta das oito horas da noite, sai do prédio onde mora quase no fim da Ataulfo de Paiva e caminha até a Praça Cazusa no final do Leblon e volta até a Avenida Bartolomeu Mitre, escolhe a dedo com bastante precisão as pessoas a quem se dirige. A abordagem é sempre a mesma.

.

-Fiquei desempregado, estou sem dinheiro para pagar o condomínio.

Ultimamente não tem sido visto.

.

OUTROS

.

Moacir, de cabelos lisos pintados, criador da moda Neymar, topete moicano azul e amarelo, tem as pernas atrofiadas, desliza em cima de um skate, recolhe as moedas em um boné ao lado, à noite vai dormir na Décima Quarta Delegacia de Polícia. Recebe aposentadoria por invalidez.

.

Jurandir diz que está sempre com fome. A perna esquerda paralítica o obriga andar ou a pular com a outra, apoiado em duas muletas. Praticamente desnudo, exibe sua magreza parda não importa o tempo que faça. Rejeita qualquer tipo de comida e diz que ele mesmo prefere escolher onde comprar.

.

José, branco, anda de camisa pólo ou camiseta, às vezes está limpo, às vezes não. Usa boné tipo francês e sandálias japonesas, desloca-se silenciosamente, só se percebe sua presença quando extremamente perto. Gosta de comer, seu corpo volumoso denuncia. Gosta dos sanduiches do Cafeina, sempre descola algum. Parece que as pessoas sentem-se gratas por ele não ser um assaltante.

.

Aparecida, a senhora das malas, tinha ciúmes dos quadros que pintava, usando os dedos como pincéis, alguns eram até bonitos. As malas eram enormes e dentro delas roupas, telas e tintas. Mudava com frequência de ponto para expor suas pinturas. Desapareceu, disseram que tinha sido internada e falecera. Era negra e bastante pesada.

.

Vera Maria, quase negra, magrinha vende canetas na porta do Itaú. Um dia armou um barraco com uma outra que invadiu seu ponto quando faltou por dois dias.

.

Vera Lucia extremamente simpática, escura, lenço amarrado na cabeça, senta-se na calçada da Ataulfo de Paiva, gosta de falar, ultimamente vem se queixando de dores nas pernas, ela mesma diz que precisa perder peso.

.

LUIZ

.

Luiz mora no final do Leblon e, praticamente, conhece todos os pedintes locais. Sempre leva moedas no bolso que vai distribuindo entre eles. De vez em quando, bate um ligeiro papo. Parece que mendigo também gosta de conversar.

.

Luiz despertou de madrugada com um número, não era sonho. Anotou: 31273 no livro que estava lendo: “Tudo aquilo que nunca foi dito” de Marc Levy.

.

Era quarta-feira, fez uma combinação de dezenas e jogou na Mega-Sena duas séries de seis. Ganhou dois milhões de reais. Achou que deveria dar parte aos esmoleiros da área. Usando um critério pessoal de merecimento, distribuiu parte do dinheiro.

.

A notícia espalhou-se logo além Leblon. A cada dia, chegavam mais pedintes na busca do novo messias e de tal maneira inflacionaram o bairro que a polícia teve que intervir.

.

Os moradores fizeram abaixo-assinado, protesto em praça pública, carta ao leitor, passeata na orla- um clamor só.

.

Luiz, quase linchado, foi obrigado a mudar.

Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

Um comentário:

  1. Parece que para esses "moradores do Leblon" a vida se resume em expor a miséria, através de diferentes camuflagens (personas/mascaras), e aguardar as migalhas vindas da vida alheia...Porém, quando alguém entende a necessidade e tem empatia com a expressão da penuria(na figura do Luiz, querendo amenizá-la se torna uma persona não grata.

    ResponderExcluir