quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

CONTO DO JOSÉ FRAJTAG

A TURMA

CAPITULO I
- E bebamos a isto! Derek batia o seu caneco de encontro ao do Dr. Phillip.
Todas as sextas, o arquiteto não faltava o encontro da turma. E este era especial, pois era a última sexta-feira do ano de 2051.
- A mais um ano de sucesso! - dizia Helen, uma das únicas mulheres a frequentar o Delano´s, simpático bar de Boston.
- Sucesso é um pouco de otimismo de sua parte, mas obrigado Helen. – retrucava Derek, batendo seu caneco no dela também, pensando se foi realmente bom esse ano 2051 que terminava. Na realidade teve bem menos projetos executados que no ano anterior, mas era 2052 que prometia cumprir os vaticínios de Helen.
- Derek, precisamos conversar. -desta vez era o Dr. Phillip que chamava Derek para uma conversa em particular.
- Dr. Phillip, veja bem este não é um bom momento! Estamos celebrando um novo ano! Venha ao meu escritório na próxima terça-feira. Será o primeiro dia de trabalho do ano e aí conversaremos sobre tudo!

O Dr. Phillip chegou bem cedo naquela terça, dia 2 de janeiro ao escritório de Derek e não perdeu tempo indo direto ao assunto.
- Escute-me Derek! A turma vai se desfazer! Fui encarregado para te dar esta notícia. Cada um vai tomar o seu caminho.
- Mas como é possível? Nenhum deles nunca me disse nada a respeito. Já nos conhecemos há.... quinze anos não é?
- Eles se preocupam, pois sabem que a tua saúde é frágil e você poderia não suportar. Como sabem que sou médico, teu orientador e psicanalista julgam-me a pessoa mais capacitada para te apoiar neste momento.
- O que está acontecendo?
- Cada um tem seus motivos e assim é a vida! Outras turmas virão e talvez sejam melhores para você, quero dizer para nós, pois eu não vou te abandonar.
- Bom ao menos isso, meu bom Dr. Phillip. Mas quando isso vai ser?
- Não sei ao certo! Pode ser mesmo amanhã ou pouco mais tarde e nem todos irão ao mesmo tempo. Esteja preparado!
- Está bem, Doutor. Serei forte!


Na 6ª feira seguinte estava tudo aparentemente normal. Todos estavam lá sem exceção e então Derek foi se dirigindo a um de cada vez para saber o que estava ocorrendo:
- Helen minha querida, o Dr. Phillip me disse coisas que me deixaram muito deprimido. Que história é essa? Vocês vão embora?
- O que você está dizendo meu bem? Não estou sabendo de nada! Dr. Phillip deve ter entendido mal, mas pelo menos de mim é que não ouviu essa. Pergunte ao Antoine, pois ele é o mais cheio de novida
des daqui.
- Então Antoine? Foi você o autor dessa noticia?
- Você deve estar brincando Derek! De onde saiu esse papo doido? Não tenho planos para me mudar. Boston para mim é a cidade ideal, onde tenho um bom emprego, boa casa e onde criei meus dois filhos.
- Explique-me isto Dr. Phillip! Repita de novo para mim o que você me disse no escritório!
- Tenha calma Derek, pois o pessoal está querendo te poupar e fazendo com que tudo vá bem devagar. Todos temem por tua saúde.
Ao se virar Derek percebeu que Helen tinha saído.
- Você viu para onde ela foi Dr. Phillip?
- Que bom que você perguntou primeiro para mim. Sou eu o único que pode explicar! Helen não existe, nem nunca existiu. Ela era apenas fruto de sua imaginação. Eu estou te tratando com um medicamento experimental e você vai ficar ótimo.
- Você está mentindo Dr. Phillip, não sei por que e isto é um absurdo. Já a conheço há quinze anos também como a todos os outros.
- Pergunte a... como é mesmo? Antoine não é? Sempre esqueço nomes.
- Antoine, você ouviu esse louco dizer essa merda? Conte a verdade! Para onde foi a Helen?
- Quem? Helen? De quem você está falando? Desculpe-me, mas não conheço nenhuma Helen! Ao menos da turma.
- Isto é um complô! Deve ser uma brincadeira e posso garantir que é de muito mau gosto.
- Infelizmente não. Porque não perguntas ao Michael? Ele vai dizer com quem está a razão.
Derek se dirigiu ao balcão onde Michael preparava seus famosos drinques.
- Michael, por favor, pelo amor que tens a teus filhos, diga-me a verdade. Você sabe quem é a Helen, não sabe?
- Claro Derek!
- No que Derek deu um suspiro de alívio. Michael iria acabar com a brincadeira- Ela está ali, como sempre bebericando o seu Gin Tonica, mas nunca soube que você a conhecia.
Quando Derek dirige seu olhar para a direção apontada por Michael, vê uma total desconhecida, apenas vagamente familiar.
- Mas, não é esta a “nossa” Helen.
- Desculpe-me Derek, mas esta é a única que conheço. Nunca vi nenhuma mulher com vocês.
Derek quase cai ao chão no que é amparado por Phillip.
- O que está acontecendo comigo Dr. Phillip? Estou enlouquecendo?
- Tenha calma Derek. Isto vai ser um longo processo e só ao seu final poderei lhe contar tudo.

CAPITULO II

- Phillip, nunca pensei que você pudesse trair a minha confiança- era o Dr. Frank Silvester da Biogenesis Enterprises. Como você pôde se apossar de um medicamento ainda em processo de avaliação? O “Schiz” ainda não foi aprovado pelo FDA. Podemos ser processados!
- Foi em desespero, Silvester! O que você faria o mesmo se o seu melhor amigo estivesse se destruindo em meio a uma terrível esquizofrenia. Ele é um caso raríssimo que é capaz de construir várias vidas completas.
- Quem é esse seu “paciente”?
- Derek Willi
ams, que na realidade se chama Thomas Foster, vê várias pessoas que nunca existiram e até criou uma profissão que nunca teve. Na sua fértil imaginação ele que é um simples arquiteto Junior, se julga dono da empresa em que trabalha. Como ele conseguiu esconder o problema de seus superiores é algo que não sei como explicar. Não quero interferir, pois ele é capaz de fazer o seu trabalho com incrível competência para pessoas no seu estado. Talvez por isso seus patrões o mantenham em plena atividade, mesmo achando que ele seja um tanto excêntrico.
- Explique-me como tem conseguido tratá-lo?

- É simples. Toda 6ª feira nos encontramos no Delano´s. Você conhece! É aquele bar perto do Quincy´s Market. Lá eu ponho algumas gotas do “Schiz” em sua bebida com ajuda de Michael, o barman. Comecei há um mês e basta uma vez por semana. Os efeitos já estão se manifestando. Antes eu o fiz assinar um documento concordando com tudo.
- Está bem, Phillip OK! Terás o meu apoio, mas mantenha sigilo sobre isso. Eu vou enviar um funcionário altamente capacitado da nossa Empresa para secretamente te apoiar, pois você o está fazendo de cobaia e as sequelas ainda não estão bem determinadas. Aliás, você também deve assinar um documento concordando com a supervisão, pois a Biogenesis não pode correr riscos.
- Concordo e assino embaixo. Fique totalmente tranquilo Silvester. Ninguém saberá de nada, nunca!
De volta ao Delano´s no dia 12, Phillip encontra Derek na sua mesa e num estado lamentável. Bêbado a ponto de quase não reconhecer o bom doutor.
- Derek, sou eu, o Dr. Phillip! Você está sozinho? Você não deveria beber tanto, pois a medicação pode ser prejudicada.
- O Antoine foi ao banheiro e volta já. O Mark esteve aqui rapidamente, mas já foi embora. Disse que tem um encontro com uma nova namorada e que vai ficar um tempo sem vir, por causa disso. Assim, só nós dois da turma estamos aqui hoje. Melhor que nada. Sinto falta da Helen e sentirei a do Mark também.
- Derek, fico muito sentido por esse momento triste, mas você vai superá-lo. Tenha certeza disto. Agora muita atenção. Nunca mais toque no nome de Mark para o Antoine, você promete?
- Por que mais essa? Você vai quere me dizer o quê? O Mark existe porra! Ele até me disse que é médico como você e que trabalha na sua empresa!
- Não quero que você fique emocionado a toa. Ponha uma pedra sobre o assunto e pronto! Não é difícil, não é mesmo?
- Tá bom! Tá Bom! Vou agir como se ele nunca tivesse existido! É isso que você quer? Mas eu sempre me lembrarei dele!
- Não, Não! Você tem de esquecer o Mark e também da Helen, pois seria péssimo para a continuidade do teu tratamento.
- Dr. Phillip! Pelo amor de Deus, quem mais vai desaparecer?
- Infelizmente não posso adiantar nada para você, pois também seria prejudicial.
- Michael, por favor, mais um uísque.
- pediu o doutor - Desta vez traga duplo, pois a noite vai ser longa.
- Peça um duplo para mim também, Michael!
- disse Derek.
- Não, Michael, traga apenas um suco de laranja para o Derek. - avisa o Dr. Phillip ele não deve beber mais hoje. Derek concorda a contragosto. O uísque e o suco, rapidamente como sempre foram colocados na mesa.
- Derek, meu bom amigo. As coisas daqui para frente devem se acelerar e você tem de estar preparado. Mas fique bem tranquilo que depois de terminado o processo, você vai ter outro rumo em sua vida.
- OK! Dr. Se eu não confiar no senhor, em quem mais eu poderia?
- Por exemplo: Você deve ter notado que Antoine está demorando no banheiro, não é? Pois acho que ele não volta mais.
- O que é isso Doutor!!!Leve-me para casa, pois acho que vou desmaiar.
- OK! Derek! Está bem! Deixe-me ao menos terminar o uísque. Pegue suas coisas. Não esqueça o notepad.
- Está doido! Nunca o esqueceria. Nele está meu último projeto. Se o perco, acaba meu emprego.
- Mostre-me! Nunca vi nenhum trabalho seu!
Derek dá alguns clicks e pressiona a sua digital no notepad. O Aparelho o reconhece e fala:
- Seja bem vindo senhor Foster!Em que posso lhe ser útil?
- Senhor Foster??? Que merda é essa
!-Berrou Derek. Trocaram meu notepad?
- Essa é a pior parte, meu caro Derek! Seu nome não é este e sim Thomas Foster.
Sim você é arquiteto! É uma das únicas verdades de sua vida.
Derek, digo Foster, estava branco como papel e tombado em uma cadeira. Sua boca abria-se de um modo que seria cômico se não fosse sério! O Dr. Phillip pediu ao barman uma toalha gelada e uma bebida para Foster. Era impressionante que ele sempre abria o seu notepad, ouvia o seu verdadeiro nome, mas “ouvia” na sua mente conturbada o nome Derek, que só existia em sua imaginação. Michael, sempre solícito, providencia a toalha gelada.
- E agora Foster, deixe-me ver algum de seus projetos.
O mais incrível é que mesmo totalmente esquizofrênico como era, Foster era realmente um arquiteto competente. O Dr. Phillip mesmo não sendo da profissão, ia abrindo página por página e admirava-se com a sucessão de plantas perfeitas, fotos de seus projetos construídos, ou maravilhosas perspectivas dos que ainda não haviam sido executados.
Foster foi pouco a pouco acordando daquele torpor e incrivelmente aceitando a situação. O "Schiz", parecia mesmo funcionar e o Dr. Phillip já se sentia feliz em saber que poderia esfregar a vitória no nariz de Silvester, seu sócio. Ficariam ricos com a venda do produto.
- Silvester, não morres tão cedo, diz Phillip ao ver o seu sócio entrando no Delano’s.
- Vim ver finalmente o resultado de tudo. Meu funcionário secreto me informou de tudo. E aí como vai o teu paciente? Podes me apresentar?
- Infelizmente, não! Como previa o “Schiz” foi um sucesso impressionante e finalmente Foster está finalmente a caminho da normalidade. Todos os personagens de sua incrível imaginação se foram. Aliás, você ainda não o conhecia, não é mesmo?
- Phillip, é claro que não o conhecia, mas você não precisa se preocupar, pois já sei tudo o que precisava sobre esse Foster e o resto da turma. E parabéns, pois é a primeira vez que o “Schiz” realmente funciona.
Phillip o olha estranhamente e diz:
- Como assim? Foster? Turma? Como é? O que é Schiz? De quem você está falando?
- Fantástico! Cheguei mesmo no momento exato! Meu funcionário fez um excelente serviço. Daqui para frente, por favor, senhor Phillip, não me chame mais de você e sim de Doutor Silvester, pois o senhor está curado!
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