segunda-feira, 26 de outubro de 2009

CRÔNICAS DO CID-1

TRÊS REENCONTROS E UM FLERTE
Sempre disse que gostava de escuridão, solidão e jiló.
Porém, com mais de setenta anos, já viúvo, os filhos crescidos e encaminhados, teve um ataque de saudade. Lembrou-se dos tempos de colégio interno e dos amigos com quem conviveu e de quem nunca mais tivera notícias.
Com tempo, disposição e condições, resolveu fazer um périplo ao passado, em busca do reencontro com amigos que conseguisse localizar. Com o carro na estrada, dirigiu-se à cidade desses amigos, cuja origem conhecia, em razão do costume no colégio interno de apelidar os colegas com o nome da cidade de origem.
Assim, Fernando era Birigui, Hélio - Promissão, e assim por diante.
Com paciência, e um faro detetivesco, instalou-se num hotel da cidade e, com o auxílio do recepcionista, da telefonista e do contato com as pessoas mais idosas da cidade, tentava localizar os antigos amigos.
Nem sempre teve sucesso. Todavia, em algumas cidades, conseguiu localizar antigos amigos.
Dono de uma psicologia intuitiva e capacidade de observação, identificou e entendeu as reações que encontrou.
Alguns amigos choraram de emoção, apresentaram a família, mostraram a casa, fizeram questão de segurá-lo para uma refeição.
Outros foram gentis, ficaram felizes, lembraram de passagens e foram formais. Houve também, os que, embora tenham sido colegas de internato, diziam não se recordar, não estavam interessados e que mal se lembravam daquele tempo. Despachavam-no do portão da casa.
Ele, maduro e vivido, curtido pela experiência profissional, não se ofendia e nem sofria com as diferentes acolhidas. Simplesmente entendia. Sabia que poderia ser visto como um intruso, um oportunista, uma pessoa que, em nome de uma emoção de reencontro, quisesse tirar proveito, solicitar favores, ou mesmo, oferecer alguma coisa. Afinal, já haviam decorrido mais de cinqüenta anos.
Mesmo assim, ficou muito feliz. Reencontrou amigos, viveu emoções, curtiu recordações. Não se sentiu maltratado, apesar da frieza ou da rejeição de alguns, que efetivamente tinham sido amigos no distante intervalo.
Terminado o périplo, retornava emocionado para o Rio de Janeiro, quando, ao passar por uma cidade às margens da Dutra, lembrou-se de um antigo flerte que teve durante uma semana com uma bela jovem que visitara o local onde trabalhara há trinta anos.
Saíram para jantar, conversar e se conhecerem - nada mais.
Lembrou-se que foram momentos agradáveis para ele e para ela e que certamente poderia ter ido bem mais longe se ela não tivesse que voltar para sua cidade natal.
Resolveu parar. Instalou-se num hotel e com sua capacidade sherloquiana, acabou por encontrar o antigo flerte, agora já casada, mãe de filhos e um marido bravo, que ele, entretanto, não sabia.
Foi para o quarto, pegou o telefone e ligou.
- Alô, é fulana?
- Sim...
- Aqui, é fulano, nós nos conhecemos em tal cidade lá pelos idos de 1960, quando você foi passar a férias na casa de uma amiga. Você foi conhecer meu local de trabalho e jantamos algumas vezes. Foi muito agradável e você ficou muito feliz. Estou de passagem por sua cidade e lembrei-me de você. Gostaria de poder revê-la. Tenha certeza, é o reencontro de uma emoção, nada mais.
Ela, do outro lado:
-Não me lembro de nada. Nunca fui a essa cidade e nunca conheci ninguém com seu nome. Passe bem!
E, desligou o telefone.
Decepcionado, surpreso e humilhado, pois tinha certeza de que ela era a pessoa que ele havia conhecido, fechou a mala, desceu para a recepção, pagou a conta e, acabrunhadamente pegou o carro e retornou para o Rio de Janeiro.
Dois dias depois, estava tranqüilamente lendo o jornal, curtindo sua solidão, quando o telefone tocou.
- Alô, é fulano?
- Sim, aqui é fulano.
- Consegui seu telefone na ficha de inscrição que você deixou no hotel. Estou falando da rua. Quando você me ligou, meu marido estava ao meu lado, homem ciumento e bravo. Não tinha como dizer que me lembrava, aliás, nunca me esqueci. Foram momentos de muita alegria para mim. Meu marido é ciumento, toma conta e fiscaliza todos os meus passos. É horrível. Quero muito me encontrar com você. Assim que puder, tente isso. Mas, tem um problema – você não deve ligar para a minha casa e nem eu posso ligar para você, pois ele fiscaliza até a conta telefônica.
Ele, sem pestanejar disse:
- Não tem problema.
E, do alto de sua experiência, da sua vivência e do tempo de estrada disse:
- Ligue a cobrar, meu amor.

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